30.5.13

Sobre o Corpo

Escrever sobre o corpo tem a dimensão da inquietude e da alegria. Inquietude, porque lidamos bem e mal com o corpo, na medida em que nele se evidenciam nossas limitações físicas. Alegria, pois, na medida em que envelhecemos, acentua-se nossa agudeza intelectual e conseguimos, pelas lições da vida, ser mais serenos na apreciação das próprias vicissitudes corporais.
Nos últimos tempos, tenho acompanhado as grandes, contínuas e velozes mudanças tecnológicas na civilização, movida pela racionalidade e pelo sentimento de urgência. Constato, no entanto, que a Ciência ainda não conseguiu descobrir a forma de combater os diferentes males que afetam a humanidade, embora haja esforços significativos para que isso ocorra. Em alguns momentos, somos surpreendidos por doenças já consideradas extintas. Voltam com maior intensidade e produzem sofrimentos à população. Bactérias, vírus, agentes mortíferos estão a nos desafiar para maiores estudos e investigações, a fim de termos um corpo saudável.
No dia em que o mundo cristão comemora o dia de Corpus Christi, na afirmativa compreensão de que houve um Deus com um corpo sofrido, agredido, torturado e que recolheu, como os humanos, todos os desconfortos de dores, aparece em nosso imaginário a intenção de pensar no corpo como a expressão mesma dos limites do humano.
Assumimos projetos vitais como nossa família, nosso trabalho, nossas participações sociais, nossa produção artística ou literária, enfim. Há, todavia, um momento em que nosso corpo manifesta sinais de alerta e informa: pare, recue, recolha-se, redimensione-se! Vimos isso na história da vida de personagens famosos.
Jesus Cristo foi um grande personagem, que viveu todas essas intimidações que o corpo propicia aos mortais. Sofreu, chorou, temeu, sentiu a solidão e o abandono, mas foi até o fim. Não deixou seu projeto, sua missão. Seu sofrimento no Monte das Oliveiras era o sofrimento do humano nele.
Ocorrem distintas opções diante do sofrimento do próprio corpo. Alguns artistas e escritores, como Walmor Chagas, cujo brilho artístico foi inegável, cansou diante das dores demasiadas e da fragilidade que as doenças impuseram a seu corpo. Produziu seu fim. Ernest Hemingway, escritor do famoso romance Por quem os sinos dobram, enfrentou problemas com o álcool e se suicidou. Pedro Nava, nosso ilustre literato, fez o mesmo. Escolheu seu conforto na morte. Virginia Woolf, escritora reconhecida, entrou no Rio Ouse, com um casaco cheio de pedras nos bolsos, mergulhando para a eternidade. Sentiu na doença o limite do seu corpo.
Há os que fazem outra escolha, se olharmos nossos atores premiados, como Lima Duarte, Fernanda Montenegro e Juca de Oliveira, para citar alguns, conseguimos observar a atitude de recolhimento em que se aproximam da natureza e de retorno, quando voltam para partilhar sua arte. Vivem a dialética da própria vida.
Todas essas vidas são e foram vidas vividas na intensidade de um corpo que se tornou linguagem. Um corpo anuncia e pronuncia desejos e vivências. Jesus Cristo, um Deus com corpo, expressou em sua linguagem o desejo de uma vida de paixão e de fraternidade. São as formas pelas quais o corpo fala.

Cecilia Pires

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