5.12.05

História e ação: as interfaces da práxis

Cecília Pires*

O que proponho é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.
(H. Arendt – A Condição Humana)


Inspiro-me nas compreensões de Hannah Arendt, expostas no seu livro A Condição Humana, especialmente no conceito de ação, como uma das dimensões da vida ativa.
Hannah Arendt apresenta a ação como uma especificidade humana, aquilo que identifica a própria condição humana. Trata-se de entender o agir humano, na perspectiva da pluralidade, pois é o momento em que os humanos interagem, trocando experiências, na perspectiva do vivido histórico. Essa pluralidade deve ser compreendida nos marcos da igualdade e da diferença, o que propõe o tema da alteridade. O humano é a espécie que sabe a diferença entre as coisas e se sabe diferente delas. A ação e o discurso inserem o sujeito no mundo. E aí se estabelecem trocas. Essas trocas só serão possíveis se a convivialidade singular e plural dos humanos puder se efetivar no tempo histórico, sem muitos interditos. Por quê tratar esta questão, neste momento da vida universitária? Por quê pensar na história e na ação dos humanos, como interfaces da práxis? Pelo fato de que todos devem ser bem acolhidos na sua entrada no mundo, segundo Arendt, tendo o direito de serem reconhecidos no seu tempo de finitude, como sujeitos de ação, não apenas como animal laborans, sustentando a sobrevivência ou como homo faber, envolvido com a fabricação dos objetos. A ação é o segundo começo do homem e, portanto, seu momento maior.
A ação revela a maioridade política do sujeito, sua inserção na polis, dando continuidade ao processo da troca. Maioridade revela maturidade, tempo de vida, amplitude histórica, lições vividas, apreendidas e repassadas. É mais um começo, o momento da maturidade dos que entraram mais cedo no tempo e que estão preocupados em deixar suas experiências para as gerações futuras, aquelas que ainda não chegaram ao mundo, mas que chegarão na continuidade do processo histórico.
Desse modo, haveria que se ter mais cuidado com os mais velhos precisamente pelo que eles significam em experiência, sabedoria, maturidade, não restritas ao labor, nem ao trabalho, mas referidas à ação, como a singularidade de sua práxis. Se isto é assim, não tenhamos para com os mais velhos a desestimulante atitude de que seu tempo passou, numa falsa misericórdia com a sua velhice. Afinal, sabemos todos que não somos eternos e que nossa permanência singular, tanto na família, quanto nas instituições atêm-se aos limites das possibilidades da finitude humana. Apressar um processo de desvinculação da vida ativa, sem razões suficientes, parece-me uma decretação antecipada de inutilidade, tal como se faz com objetos, cuja obsolescência programada já foi definida pelo modo de produção capitalista.
Seria cuidadoso e necessário este olhar sobre os sujeitos que começaram há mais tempo sua entrada no mundo para que a importância do seu falar e de seu agir não fosse esquecida, na voragem da produtividade incessante dos tempos atuais. Que houvesse boas razões que justificassem atitudes de descontinuidade, quando estas não forem solicitadas pelos mais velhos, para que não fique a experiência do tempo de vida útil, tal como ocorre com os objetos. Isso para reiterar a afirmação de Hannah Arendt: a ação nos lembra que, embora devamos morrer, não nascemos para a morte, mas para começar.