20.9.17

Sobre heróis e vilões

Cansa-me o preconceito, a visão parcial dos que apresentam posições extremas, que não contribuem para nenhum avanço social. Os exemplos sobram na História, quando atitudes preconceituosas, discricionárias, deterministas impedem uma análise criteriosa das situações.
Comento tais atitudes referindo-me a mais um aniversário da Revolução Farroupilha, quando se comemora o Dia do Gaúcho. Não entendo as críticas mordazes que são feitas por ocasião dessa data. Por que? Qual o sentido dessa negação? Por que os hábitos, os costumes e as expressões culturais dos gaúchos causam escárnio em muita gente?! Por que recusar as origens?!
Afinal, gostamos e respeitamos os costumes e as tradições dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, eslavos, enfim cantamos e dançamos suas músicas e festejamos suas datas comemorativas.  E isso é bom! Por que tanto sarcasmo, ironia e preconceito com a cultura regional gaúcha?!
Se tivemos heróis e vilões na Revolução Farroupilha, isso não pode causar estranheza. Qual movimento revolucionário não teve seus heróis e vilões?! Basta percorrermos a História dos movimentos de emancipação, nas diferentes regiões do país, que encontramos os registros dos que agiram com honra e dos que se deixaram levar pelo suborno.         A Balaiada, no Maranhão, a Sabinada, na Bahia, a Revolução Pernambucana, a Cabanagem, no Pará, para citar algumas rebeliões, mostram ações de coragem e ações de vilania e não podem ser desconsideradas como movimentos que expressaram o desejo de liberdade e de recusa à submissão diante de atitudes prepotentes dos governos imperiais. A própria Inconfidência Mineira teve o Tiradentes e o delator Joaquim Silvério dos Reis.
Não penso que devamos falar da Revolução Farroupilha, sem lembrarmos dos Lanceiros Negros. A morte dos escravos que se empenharam em lutar na Guerra dos Farrapos, alimentados pelo desejo de liberdade, nos marca profundamente. Giuseppe Garibaldi e Anita Garibaldi, bem como Bento Gonçalves não podem ser chamados de vilões.
Houve traições.  David Canabarro é citado como um traidor, por ter desarmado os lanceiros, num acordo com os imperiais. No episódio conhecido como Batalha dos Porongos, as tropas do Império massacraram os guerreiros negros. Esta foi uma vilania a ser lamentada e denunciada. No entanto, o desprezo por essa atitude de submissão ao exército do Imperador, não pode ser generalizado. Muitos lutaram com bravura e tirocínio contestando as políticas centralizadoras do Império, políticas essas que, infelizmente, ainda hoje são praticadas pela República, passados todos esses anos de sua proclamação. O momento nacional é revelador das traições e vilanias.
Minha intenção não é simplesmente ignorar as incoerências e apenas estimular os festejos do Dia do Gaúcho. É possível separar o joio do trigo com inteligência, com sabedoria, com eficácia. Meu desejo é procurar outras razões que não as do ódio, do rancor, da segregação, do preconceito.
Por isso entendo legítimo comemorar e cultuar, com respeito, os costumes e as tradições dos povos e das comunidades regionais. O Rio Grande do Sul, com erros e acertos, apesar dos governantes, marcou sua história não apenas com sangue, mas com resistência.
Esta resistência é o que me faz continuar pensando em dias  melhores para o nosso estado e o nosso país, onde sempre teremos que conviver com heróis e vilões, misturados à gente simples, que com seu trabalho e dignidade constrói o dia a dia da sociedade. Uma gente que canta, dança, se ornamenta para a festa com a alegria de quem sabe que a liberdade é o alimento essencial para que cresça a igualdade e a fraternidade.