22.5.17

SOBRE “OBJETIVOS NITIDAMENTE SUBTERRÂNEOS”

Quem criou os subterrâneos? Os perseguidos ou os bandidos? A história mostra os primeiros cristãos escondidos da perseguição do Império Romano. Sabemos, no entanto, que os bandidos antigos e atuais costumam cavar túneis para praticarem seus delitos, sendo que a simbologia do subterrâneo pode estar representada por uma garagem, substituta do túnel, onde também é possível entrar sem ser notado.
O Presidente que ocupa a direção da República Brasileira não identifica com precisão qual é o subterrâneo usado por seu interlocutor. A intimidade demonstrada na conversa entre ambos não permite que constatemos uma perseguição. O que aparece é uma fala de cumplicidade delituosa, própria dos bandidos. Prevaricação, obstrução da justiça, organização criminosa são indicativos reveladores de atitudes próprias de bandidos, tanto os vulgares, quanto os afortunados.
O Presidente ocupante do cargo refere que seu interlocutor foi movido pelo que ele denomina “objetivos nitidamente subterrâneos”. Se isso é assim, ocorreu uma cumplicidade com tais objetivos, pois do contrário, a indignação seria de tal forma que o Presidente faria, imediatamente, uma denúncia aos órgãos adequados, conhecedor que é das questões jurídicas e constitucionais.
As dimensões de conceitos como moralidade, lucidez, responsabilidade, integridade ficaram esquecidas nas interlocuções onde os “objetivos nitidamente subterrâneos” foram evidenciados na forma do diálogo divulgado, sem qualquer expressão de espanto, para dizemos o mínimo.
Nessa continuidade de propósitos escusos sobre a vida nacional, além da indignação vivida pelo silêncio dos responsáveis garantidores das leis e pela serenidade não-ingênua do governante, permanece em nosso imaginário a força das estratégias de desigualdade de direitos, de suborno, de sequestro moral, de rentismo e de sede de poder. Tudo isso aliado, integrado, associado ao protecionismo dos grandes empresários, em detrimento dos trabalhadores, que pagam seus impostos, onerados com diversas taxas e sem nenhum acesso a informações privilegiadas.
O quadro instalado demonstra o que já foi constatado – que a política praticada pelas agremiações partidárias, sem qualquer controle efetivo da sociedade civil, tenderá a essa continuidade corrupta de favores, trocados por milhões.
Cabe-nos a ação cidadã, o enfrentamento de falas exóticas, justificadoras do crime e, a organização da vida pública pela seriedade, pelo compromisso ético, mostrando a soberania da sociedade envolvida em restaurar o laço social, negando o discurso fácil e repulsivo de que não é possível viver a política longe das falcatruas e obscenidades civis.
Hannah Arendt referia que a política é o espaço dos humanos, onde acontece propriamente a condição humana. E entendia que qualquer forma de governo que investir contra a pluralidade, que a política permite, acaba com a humanidade e cria uma situação de domínio. Não queremos dominação, rejeitamos o pensamento único, recusamos um lugar fixo, onde a verdade seja cultivada. Se soubermos pensar dialeticamente, saberemos entender a contradição, o que não implica acolher a cumplicidade com o suborno e com o rentismo, que buscam comprar consciências e mistificar discursos. Só os governos ditatoriais e totalitários se movimentam nessa opacidade de valores morais.
Na sociedade do espetáculo e do efêmero, algo como a dignidade humana deve ser um ponto de referência. Disto o Brasil está carente, sofrendo de doença endêmica, cujo vírus da corrupção ainda não encontrou o remédio eficaz para contê-la. Na referência Arendtiana, a crise do mundo moderno indica que não é tanto o mundo, mas sim o próprio homem que saiu dos trilhos e, acrescento, buscou “objetivos nitidamente subterrâneos”.
O filósofo Diógenes, na Grécia Antiga, percorria as ruas de Atenas, com uma lanterna na mão, procurando um homem de caráter e de moral. Talvez, precisemos continuar essa busca.