Já lhe dei meu corpo
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...
Minha alegria
Já estanquei meu sangue
Quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor...
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água...
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água...
(Chico Buarque)
Apresentados os diversos pontos-de-vista de comunicadores,
sociólogos, politólogos, formadores de opinião, jornalistas, ouso partilhar uma
pequena reflexão sobre o movimento das ruas, que estou chamando Caminhadas de
Outono. Talvez, com a esperança de que, ao menos no calendário, as estações se
sucedem e chegaremos à Primavera. Essas caminhadas das ruas, ilustradas pelas fumaças dos gases, fogos,
balas, spray de pimenta, vinagres podem levar à primavera de nosso país. Os
manifestantes querem acordar o gigante, que adormecia.
Todos nos sentimos envolvidos e atingidos pela crise que se mostra
no distanciamento entre a sociedade civil e o Estado. Esse fato não é novo, faz
parte da história da nossa colonização. A governança faz ensaios de acertos e
erros. Tem mais errado que acertado. As caminhadas das ruas, traduzidas no que
se identifica como movimentos dos diferentes segmentos sociais, expressa o
sentimento de indignação contido durante muito tempo e que começa a explodir
face ao descaso no qual a população foi submetida.
A canção de Chico Buarque é ilustrativa: E qualquer desatenção, faça não pode ser a gota d'água... E
aconteceu. A gota d’água foi o preço das passagens. Seria ingenuidade, no
entanto, ficarmos restritos aos 20 centavos do aumento dos bilhetes. Na
nossa
história, a dominação do Estado sobre os cidadãos foi contínua, forte e
astutamente dissimulada. As caminhadas das ruas, neste outono, evidenciam o
nível de descontentamento, de desconforto, de inconformidade com as condições
de saúde, habitação, transporte, educação em que se encontra a maioria da
população.
Não concordo com o espetáculo
midiático no qual, muitos se sentem a vontade para fazer a crítica pela
crítica, confundindo meios e fins. Não sou partidária de Maquiavel, que
justifica o uso de qualquer meio para atingir o fim proposto. Nada explica a
depredação de bens e serviços públicos, pois a revolta ocorre, também, pelo mau
uso das verbas públicas.
O protesto é afirmativo como ato
civil, porque mostra a capacidade organizativa da população e o uso inteligente
das redes sociais, mas pode se tornar negativo, quando usa a violência,
provocando a prepotência já instalada no aparato de segurança do Estado. A que
leva tudo isso? Ao fortalecimento dos conservadores e aos discursos moralistas.
É preciso saber o limite entre a ação da cidadania e da revolta política e a
atuação aniquiladora dos que desejam apenas destruir, sem um foco legítimo para
essa atitude.
O amadurecimento de uma sociedade
ocorre na medida em que é capaz de lutar por seus direitos, tendo presente o
sentido de suas reivindicações. Quebradeira geral
não
produz resultado satisfatório. A ideia é reconstruir o Brasil e não destruí-lo.
Lutou-se muito para resgatar a democracia sequestrada pela ditadura
cívico-militar. Ela ainda está tenra, aprendiz, dá seus primeiros passos.
Que as Caminhadas de Outono expressem
o soluço segurado na garganta de uma sociedade sufocada. Não quero contemplar
nas ruas o cenário de uma guerra de todos
contra todos. Desejo, antes, acreditar que essas caminhadas conduzam à
Primavera desse Gigante, que já não dorme mais.
Cecilia Pires
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