18.5.08

TARDES DE CHUVA

Eu tenho às vezes no olhar tardes de chuva


Esse verso da canção de Aldir Blanc e João Bosco, produzida no âmago de uma inspiração que busca evidenciar o romantismo da cultura nacional, traz à minha reflexão várias modulações da vida, já exaltadas no cancioneiro deste país-continente.
Lembro com nostalgia, mesclada por certa ingenuidade, das minhas tardes missioneiras, em Santiago. Da casa dos meus pais, das frutas saborosas sem qualquer adubo tóxico, do leite tirado diretamente da fonte natural, sem nenhuma soda cáustica, dos animais andando livres por seus lugares, sem as regulações da cidade grande. Ali era possível, naquele pedaço de mundo, ter-se a dimensão do horizonte sem fronteiras e pensar no Infinito.
E quando me vem à mente versos da canção, eu sinto, como os poetas, que há no meu olhar tardes de chuva.
É possível experimentar esse sentimento, quando as notícias dos jornais nos açoitam diariamente com todo o tipo de neurose, de aniquilamento, de crueldade. Desde o assassinato de um pequenino entregue aos cuidados de pessoas despreparadas, passando pela violação de outra menina (entregue à mão de pessoas formalmente preparadas), mas que, diante da debilidade de um ser humano, não hesitam em se tornarem mais fortes. Não bastasse essa vilania de Sul a Norte, temos uma nova mostra do circo que tomou conta do parlamento nacional, ao vermos a escassez de moralidade pública e a abundância da improbidade no que se refere à administração da esfera pública. O que era para ser administrado privadamente tornou-se público e o que exige a transparência pública, como no caso do Detran/RS, é negociado privadamente.
Eu tenho no olhar tardes de chuva, pois ainda no meu país não conseguimos dar dignidade aos profissionais da educação e nem tratar com respeito a saúde pública, quando inúmeras pessoas morrem vítimas da dengue.
E meu olhar se torna mais úmido ainda, quando ouço e vejo a notícia inacreditável de que uma criança entregue aos cuidados do pai para viver mais um domingo de sua vida acaba sendo encontrada no gramado de um edifício, jogada que fora por uma janela. Como entender a banalidade do mal, de que fala H. Arendt que tomou conta do ser humano nesse episódio de barbárie?!
Mas, entre tantas fraturas no tecido social, sou capaz de me emocionar com o gesto simples das pessoas que se ocupam em serem solidárias face à escassez e que lutam com galhardia, sem se locupletarem dos cofres públicos. São elas que poderão agir para que este país se torne uma nação igual para todos e que o bem e a justiça se encontrem nas ruas das pequenas e das grandes cidades. A chuva do meu olhar sentirá o sinal da alegria.

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