18.5.08

A MENINA ESQUECIDA

Quero a utopia, quero tudo e mais
Quero a felicidade dos olhos de um pai
Quero a alegria, muita gente feliz
quero que a justiça reine em meu país.
(Milton Nascimento e Fernando Brant - Coração Civil)




Esta é uma história do cotidiano da violência neste país de grandezas geográficas e pequenezas morais. Uma menina foi “esquecida” na prisão de Abaetetuba, no Pará, no Norte desta terra continental.
Esquecida por quem? Quem sabe de sua vida? A menina violada na prisão aguardava o quê? Esperava que tipo de determinação da Justiça? Estava sob os cuidados de qual autoridade?
Quem embalou essa menina quando nasceu? A quem contou seus segredos e sonhos de menina-moça, antes de ser jogada na prisão paraense, como punição por seu delito? Quem a ouviu? A juíza? A delegada? O conselho tutelar? As instâncias do poder político e do poder jurídico? O que se sabe é que um outro prisioneiro foi o único que se sensibilizou diante desse quadro dantesco; ao sair da prisão denunciou a situação da menina vitimada na prisão. Ele a ouviu, ele exerceu sua cidadania de forma solidária. É possível que não lhe façam nenhum reconhecimento e que continue esquecido às margens da vida, mas nós não podemos esquecer seu gesto, sua ação moral.
Os que a violentaram devem ter ouvido seus gritos, seus pedidos de socorro, sua rebeldia e finalmente seu silêncio. A menina deixada ao sabor de uma sorte sem padrinhos tem apenas 15 anos de idade. A menina-mulher que serviu de manjar vampiresco aos seus algozes estava num lugar guardado por autoridades que deveriam protegê-la e preservá-la para que a Justiça se efetivasse.
Seu nome? Não interessa. Sua idade? Parece que também não conta. Seu pai e sua mãe? Intimidados, submetidos às ameaças dos que podem e fazem o registro do poder naquela região, ficaram à espreita de que a filha estivesse num lugar seguro.
O ultraje da menina amazônica é o ultraje de todos nós, brasileiros que desejamos a materialidade ética na esfera pública. Nossa indignação de sujeitos livres, mulheres e homens, não pode se calar frente ao descaso como essa anônima menina foi tratada na prisão de Abaetetuba por quem deveria cuidá-la, em nome da lei e da Justiça.
E a lei para que serve, senão para proteger os sujeitos em quaisquer condições?! A Justiça não está encarregada da moralidade pública? Quem é responsável pelo que aconteceu no Pará, na nebulosa prisão em que uma menina era submetida ao ritual criminoso de uma cela promíscua? Quem preserva o cidadão? A Justiça? A força? O poder? São todos juntos?
Então, o que ocorreu com essa menina, cuja condição humana foi negada sob todos os aspectos, estando sob a guarda da Justiça? O que ela experimentou não foi apenas um abandono fortuito numa prisão, mas um tipo de morte. Mataram sua dignidade, violentaram sua subjetividade, aniquilaram sua história ainda criança. Qual é o limite do mal, perguntam-se os filósofos, para que se possa entender o bem?! Até quando os humanos se destruirão?!
Nesse episódio que repete a história de uma vida de escassez, temos que nos perguntar: a quem serve a Justiça? Quem é o aplicador da lei? A quem cabe guardar os costumes? É o Estado e seus agentes? É o cidadão comum? São as instituições sociais e políticas da sociedade civil?
A menina esquecida pode se tornar um sinal de que algo não vai bem na nossa jovem democracia: o registro de que a igualdade de oportunidades não está sendo acolhida pela Justiça. Que fazer? Uma revolução ética, um reiterado grito a favor da moralidade pública, para que nenhum agente do Estado arrogue para si o julgamento de debilidade sobre uma menina que foi entregue à Justiça para ser recuperada, não para ser violentada. Quem deve ir aos tribunais?


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