14.11.15

Que dizer? Que pensar?

Passada a perplexidade inicial, cujos comentários televisivos, jornalísticos e de especialistas nos assombram com análises, dados, fatos, contextualizações de um mundo em guerra, o que nos sobra?
Ouvimos sobre aliados, alianças, confrontos, estratégias, número de mortos e feridos, indignações por parte dos dirigentes dos países envolvidos ou solidários com as vítimas do terror, mas nada ouvimos sobre as causas remotas e históricas que motivaram tais crimes.
Temos em nossa memória várias notícias sobre países que bombardeiam os outros, julgados inimigos ou até mesmo adversários, que invadem as nações entre Oriente e Ocidente numa azáfama cotidiana e assassina e tudo isso fica como um registro factual, mas não como algo para ser avaliado do ponto de vista dos valores ou não-valores que conduzem a humanidade. Que dizer? Que pensar?
Sabemos de tanto ouvir os nomes dos principais chefes de Estado mundiais, suas intenções e interesses, suas estratégias de poder econômico e de domínio político, mas não ouvimos deles nenhuma intenção de repensar suas políticas e mudar suas atitudes. Em todas as latitudes o que aparece é o número de vitórias ou derrotas ou a indicação de exércitos e de vítimas, nada que acrescente ao desejo possível de uma vida boa e justa para os cidadãos.
Confrontam-se as nações ao Oriente e Ocidente e mostram-nos uma estatística perversa de mortos, prisioneiros e terroristas em que se conclama o poder do mais forte com fundamento no ódio, na crença, no poderio bélico. Estamos sendo desafiados a entender esse momento do mundo em que a humanidade atenta contra si mesma, na forma de extermínio. Temos povos cuja experiência única de vida é a guerra, em que suas crianças e jovens não tiveram passado, não conseguem viver o presente e já tem seu futuro ameaçado.
Até quando ficaremos atemorizados diante desse cenário que nos afeta a todos, que temos a vida como um valor fundamental, que não pode ser aniquilada nem em nome de religiões, nem em nome de ideologias?! O que veremos ainda nessa teatralidade criminosa, onde o ódio, a vingança, o preconceito e a desigualdade se tornaram protagonistas?!
De que adianta nos consolarmos sobre a perda dos que morreram se não há intenções efetivas de combater esses protagonistas do mal?! A flor ou a vela que colocarmos na sepultura de mais uma vítima do terror não nos tornará melhores se não lutarmos por uma consciência pública de responsabilidade civil, de modo a atingirmos as instâncias governamentais dos povos e países para que se possa pensar na paz mundial.
Depois de tudo isso, fiquemos com Shakespeare, o resto é silêncio.

7.8.15

Para pensar a Paz

Que dizer sobre as cidades que viraram cinzas? Qual racionalidade explica o gesto da destruição? Que passou na cabeça do piloto, naquela distante manhã de 6 de agosto de 1945, quando acionou o dispositivo e fez detonar a bomba de urânio que caiu sobre Hiroshima?
Que inquietações teria, naquele momento, em que sobrevoava a cidade e aniquilava a população?! Poderia ter questionado a ordem recebida e não ter cumprido a missão que lhe fora determinada?! Sartre diria que sim, tudo é uma questão de escolha. O piloto escolheu cumprir a ordem de explodir a bomba, não sem pensar. Sua ação foi movida por sua inteligência. É lógico que sua desobediência poderia ter consequências punitivas, mas todos os atos humanos têm consequências e nem sempre as melhores. Este foi o caso. Uma população dizimada. O descumprimento da ordem, se fosse essa sua escolha, talvez tivesse mudado o rumo da história.
Nem todas as comemorações são para celebrar alegria. No dia de hoje, em que se assinala 70 anos do lançamento da bomba atômica sobre uma população desprotegida, lembra a pouca ou nenhuma importância que é dada à vida humana. Os experimentos bélicos devem ser testados, movidos por interesses de domínio e exploração, ainda que isso resulte em dores e mortes.
No cenário de 80 mil mortos e 60 mil vitimados pelos efeitos da bomba, como pensar em re-orientar a Vida? A quem cabe essa responsabilidade civil, pública, humanitária? Em nome de que e de quem foi feito o experimento devastador sobre uma população desamparada, desprevenida, cujo destino foi ser alvo de algozes dos senhores da guerra?!
Os monumentos erguidos, as comemorações realizadas, as atitudes de autoridades constrangidas, que podem trazer para a cena atual?! Há um verdadeiro interesse pela paz ou essa palavra, deslocada de seu sentido, tem conotações diferentes entre as vítimas e os opressores?!
Hannah Arendt assevera em seus textos que a humanidade tem ações imprevisíveis e isso é atemorizante. É preciso pensar sobre o que foi feito para que não se repita, refere ela, falando sobre o genocídio judeu. Essa advertência cabe perfeitamente no caso de massacres semelhantes como o ocorrido nas cidades japonesas.
Mas os genocídios continuaram e continuam com bombas mais sofisticadas, resultantes das rupturas realizadas entre os povos, em conflitos de todo tipo. Vítimas sempre! Punições pouca! Discursos contínuos! E a humanidade, que desejará para si mesma?!
Lembrar 70 anos da destruição de Hiroshima e Nagasaki, realizada pela inteligência tecnológica, é registrar os paradoxos da razão iluminista. Essa razão que cantou louvores a si mesma, imaginando ter saído da “barbárie”, produziu temores pelos enforcamentos, pelas perseguições religiosas e pela morte dos cientistas nas fogueiras da intolerância.
Temos presente essas marcas e podemos almejar um futuro sem tantas cicatrizes, além disso, se quisermos, como humanidade, caminhar de modo diferente.
Hobbes não acreditou nisso e definiu a maldade como traço humano. Rousseau, romanticamente, pensou numa humanidade boa, simplesmente. Para nós, cabe o desafio de superar maniqueísmos de bem e mal e enfrentarmos o tempo presente pela revolução ética, além dos individualismos e das ideologias.

16.1.15

Intolerância, fundamentalismos e violência



     Do que tem sido informado, analisado, debatido, criticado e registrado pela mídia e redes sociais, acerca do episódio trágico de Paris, é importante que não seja esquecida a perspectiva da totalidade. Longe de querer fazer considerações transcendentais, o que me move a falar sobre o assunto, transcorridos os momentos de maior euforia e passionalidade, é o fato mesmo da lacuna que se apresenta num projeto humanista em que a igualdade, a liberdade e a fraternidade ficaram mais como adornos de bandeiras e menos como realização concreta na vida dos sujeitos.
     Ouvindo diferentes opiniões, lendo críticas abalizadas, percebo que passado o choque inicial do assassinato dos jornalistas, como uma bofetada na face de uma nação civilizada e republicanamente organizada, é possível abrir o leque das compreensões e buscar um entendimento mínimo sobre as razões que motivaram e motivam os jihadistas ou membros de facções suicidas, sejam elas de qualquer inspiração ideológica, política ou religiosa.
     Na história da humanidade, civilizada ou não, matou-se e mata-se em nome da fé, da crença em nome de Deus, de Alá, de Javé, passando por rituais de sacrifícios humanos nos sincretismos religiosos, mais diversos e terríveis. O que é mais dramático – sempre em nome de uma ideia, a serviço de uma causa, que segundo os protagonistas, requer atitudes drásticas. Os sujeitos racionais, que constroem ideias, escreveram e escrevem assim sua história.
     As cruzadas, entendidas como guerras santas, que cumpriram a “missão” de conquistar fiéis e territórios, não declaravam a nobreza de seus propósitos, justificados em nome do Cristianismo?! Os que criaram, fortaleceram e mantiveram pessoas como escravas, por serem diferentes na cor da pele ou na forma de falar e cultuar seus deuses, não agiram em nome de um fundamentalismo intolerante e discriminatório?! Como aceitar que nossos índios fossem domesticados por um discurso “competente”, na forma proselitista de pregação doutrinária, apenas porque seus hábitos e crenças não condiziam com as formas do colonizador civilizado.
     E os exemplos se sucedem infinitamente. Os episódios totalitários do século XX, em que os líderes de nações européias, sejam do leste ou do oeste, formataram os povos e as culturas, numa decisão exterminadora, não podem ser esquecidos. Em nome de que ou de quem Hitler, Stalin, Mussolini, Franco, Salazar, para ficar nos mais proeminentes, agiram numa forma de limpeza étnica ou ideológica?!
     Alguém de nós sabe o instante em que foi decidida uma declaração de ódio e extermínio entre árabes judeus?! Sabemos todos dos interesses e motivos que movem uns e outros?! Os que decidem servir como árbitros nas contendas, em que medida se mantêm numa postura de equilíbrio, de não-julgamento ao se posicionarem nas regiões de conflito? Ou permitem que seus interesses de “nações civilizadas”, em que o Capital está em jogo, interfiram no juízo decisório?!  Estará aí havendo o respeito aos ideais da igualdade, da liberdade e da fraternidade?!
     Uma outra dobra desse movimento de intolerância e violência, pode ser analisada. Qual foi o índice de publicidade, manifestação e registros dos órgãos de divulgação sobre outros episódios de massacre acerca da liberdade de expressão?  O que aconteceu com as meninas nigerianas sequestradas em Chibok, retiradas da Escola pelo grupo fundamentalista islâmico Boko Haram, que não permite às mulheres qualquer forma de esclarecimento, recebeu o mesmo destaque da Imprensa?! Por que não merece a mesma repulsa por parte do Ocidente civilizado?! O que ocorre na África não sensibiliza o mundo?!
     Para reiterar o que todos já sabemos: qualquer espécie de generalização de situações pode ser injusta. Nesta lógica, não podemos atribuir a todos os adeptos do islamismo atitudes de violência ou intolerância. O malinês, Lassana, muçulmano praticante, que ajudou clientes judeus a se esconderem numa câmara fria da loja, atacada pelo jihadista Coulibaly, afirmou eu não escondi judeus, escondi seres humanos. Este é o gesto da fraternidade.
     Há muitos lugares em que o convívio se tornou possível. Não é o fato de ser árabe ou judeu, oriental ou ocidental que torna um sujeito violento e intolerante. Será sempre o modo com esse sujeito se deixou tomar pelo ódio e a intolerância fazendo desses sentimentos o fundamento de sua vida.
     Tendo a concordar, em parte, com a fala de Slavoj Zizek, filósofo, quando diz que os culpados dos que cometeram os ataques de Paris é mesmo dos que cometeram o assassinato. Não tem que ser atribuído a outros o que eles decidiram fazer. Vale lembrar, aqui, a fala de Jean-Paul Sartre, filósofo, que dizia o importante não é o que fazem de nós, mas o que nós fazemos com aquilo que fazem de nós, ou seja, somos responsáveis por nossa liberdade de escolha e ação. A decisão final é nossa.
     Numa França, em que Voltaire não pode ser esquecido por assegurar o direito de se ter a própria opinião, na frase célebre, posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las, da mesma forma, não pode ser desconsiderada a ideia de Sartre de que toda a escolha implica em responsabilidade. Os jornalistas escolheram expressar suas opiniões, com suas críticas humoradas. Com o destaque de que eles sabiam das consequências de suas escolhas. E decidiram continuar. Até o fim.
     Com isto não quero conceder a ninguém a interrupção do direito da liberdade de expressão. Ao contrário, importa afirmar o projeto humano como um projeto de liberdade. E reiterar que todos os atos têm consequências. Seria desejável que não fossem violentas.
     Sem ser Charlie e sem alinhamento aos fundamentalismos da Al-Qaeda e de qualquer tipo, a esperança é de que possamos viver num mundo de diferenças, sem os limites da intolerância e do poder discricionário. Na expectativa, além de Marx, que a história não se repita apenas como tragédia ou como farsa, mas que possa ser escrita com mais exigência humanista, nos fundamentos da liberdade e da justiça para todos.