19.9.06

O Povo e os Partidos Políticos

“Eu gostaria de amar o meu país, amando, ao mesmo tempo, a justiça. Para ele não desejo uma grandeza qualquer, tal como a do sangue ou a da mentira. É fazendo reinar a justiça que eu quero fazê-lo viver” (Albert Camus).


As circunstâncias nacionais estão a exigir uma reflexão sobre o significado da organização social e política, na construção da democracia.
Rousseau, filósofo francês do século XVIII, escreveu O contrato social, obra por demais conhecida, que trata fundamentalmente, da soberania popular na manutenção de uma nação vigorosa. Nação onde o direito é a força que dimensiona os compromissos recíprocos entre os homens. Ao falar da importância do direito para os acordos estabelecidos no convívio democrático, afirma o filósofo: “Existirá grande diferença entre submeter uma multidão e reger uma sociedade”. E, mais ainda, insiste “Antes , pois, de examinar o fato pelo qual um povo elege um rei, será útil examinar o ato pelo qual um povo é um povo, porque sendo este ato necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro fundamento da sociedade”.
O filósofo inspira o debate sobre a importância do processo das escolhas e alternativas que se apresentam aos encarregados de reger a coisa pública, segundo as normas do pacto social. Pacto este que precisa ter suas regras apresentadas, debatidas, aceitas e respeitadas por todos no exercício público da cidadania.
A partir desse princípios nos remetemos para o momento atual, em que estamos a vivenciar o instante que antecede as eleições nacionais. Pensamos na vontade geral que não é a vontade de uma multidão manobrada, mas a vontade de um povo organizado. Qual será a vontade geral do povo brasileiro no que se refere à ação do Poder Central? É possível a união do poder singular de algumas lideranças com o desejo universal do povo?
Pensando na política de alianças, já tradicional nos acertos eleitorais, é possível compreendermos a perplexidade do imaginário social, no que diz respeito aos rumos da nação. Hoje, a grande maioria da população está num grau de tensão e apreensão, devido às idiossincrasias da política e dos políticos. A multiplicação de siglas partidárias e a fragmentação interna de alguns partidos aparecem para a opinião pública como a face frágil, desorganizada e inútil de qualquer agremiação partidária. Os ranços doutrinários, os acordos de gabinete, as trocas de favores, as disputas pelo domínio e pela liderança afetam a saúde da organização político-partidária.
Não estamos dizendo que os partidos políticos não sejam importantes. Eles são mesmo necessários na organização e nos avanços das lutas da sociedade civil. O que estamos analisando é a dificuldade do povo em confiar no partido político, dadas as situações apresentadas. O partido tem suas contradições, o que faz parte do processo dinâmico de qualquer organização. Não estamos reivindicando a evidência e a clareza cartesianas. O que não pode acontecer num partido político, que se quer sério, é o descompromisso com seus próprios princípios, a decisão de cúpula e a conseqüente descredibilidade ética e política.
Se o povo é o fundamento da sociedade organizada, o sujeito, antes de ser um mero eleitor, é um cidadão. Tem o direito de ser ouvido. Não pode ser usado como cumpridor de mandamentos definitivos. Por mais iluminada que seja qualquer liderança política, não pode se julgar intérprete do pensamento e do sentimento do povo, sem ouvi-lo. Para que haja garantia de seriedade com o povo, que constrói a nação, na sua luta diária de assalariado, é necessário lucidez e maturidade por parte das lideranças partidárias.
Como é possível ultrapassar a simples caça ao voto? Quais as condições que tem um partido, que se quer sério e maduro, de permanecer construindo com o povo as formas de organização de suas lutas, passado o período eleitoral? Como responder ao desejo de que o povo tem de ser reconhecido por aqueles que ele fez chegar ao poder? Como poderá o partido entender que o povo é o sujeito de soberania e que sem ele o poder é prepotente?
Essas questões aparecem no horizonte da reflexão política, no momento em que a vida de milhares de brasileiros será atingida, via reformas estruturais e conjunturais, decorrentes dos resultados eleitorais. Este é um momento de absoluta responsabilidade histórica e política, cujo significado depende do esforço de todos nós, pois não queremos mais ausência do Direito, que significa a ausência da Liberdade.
A responsabilidade cívica dos partidos políticos está, portanto, a exigir mais do que uma política de alianças, mais do que uma mesquinha caça aos votos. A atitude de maioridade política está a querer seriedade no pacto social. Seriedade que movimente os partidos políticos no rumo de uma caminhada histórica de lisura e probidade, em que a ideologia não se macule com as estratégias das siglas de aluguel.
O povo não se contenta, apenas, com um novo inquilino no Planalto. Está querendo ser ouvido e respeitado; quer um momento diferente para a nação. Para viver o momento atual e afirmar uma nova etapa é preciso que os partidos políticos tenham presente, como quer Rousseau, que o povo não seja uma multidão submissa, mas uma vontade geral soberana e organizada.

3 comentários:

allezoom disse...

oi
Ceci!
Muito oportuno(sic! rs) seu texto!! Dizer que é bom fica tal e qual papinho de pedagoga:"Ai! que lindo!"
MAs é bom sim!, Bom por que toca na ferida desta casta que se pretende eterna,manipulando ,sempre, leis e todo este aparato das negocitas políticas!
Estamos cansados, desbotamos como nação.
Outro dia me perguntei:Será que dá para chamar "isto" de País? No hay pacto!
Há uma sórdida metáfora de democracia: Quero uma efetiva democracia, e isto começa pelo fim do voto obrigatório!
abç
pedro

Rev. Giovanni Guimarães disse...

Oi Cecília,
Meu Nome é Giovanni e estou estudando filosofia na UERN, gostei so seu post, aliás ele veio a calhar com uma matéria que queremos estudar aqui no RN, poderia nos ajudar... Abraços.

Cecília Pires disse...

Giovanni

É uma satisfação saber da disposição de vocês de estudar a situação política brasileira. A filosofia precisa de iniciativas como essa. Utilizem o texto e aqui eu permaneço à disposição para continuar o diálogo.

Cecilia.