A forma como se articularam os discursos em torno das razões dos votos a
favor do impeachment, expressas na votação
de ontem, no que se chama Câmara dos Deputados, expressa o exercício de uma consciência
conservadora, que prejudicou a compreensão do verdadeiro significado da
democracia.
O fundamento dos que furiosamente declaravam seu voto passava longe até
mesmo das questões legais, que poderiam justificar a cassação de um mandato
concedido pelo voto popular. Não passavam tais pronunciamentos nem mesmo pelo
crivo da crítica de uma democracia cuja representação deixa a desejar. Não. O ódio
vociferante voltou-se contra uma sigla partidária e uma pessoa, no caso uma
mulher, a quem eram destinados o deboche, a ironia medíocre e o desrespeito com
o adversário, elementos que denotam um despreparo no exercício da ação política
e uma baixa densidade de conhecimento acerca do exercício da função pública,
por parte de quem está na atividade parlamentar.
Quando mais não seja, ainda ouviu-se homenagens aos ícones familiares,
tornando a ação política uma ação privada, como se fosse uma festa ou uma reunião
entre amigos, muito distante do objeto em questão; no caso, faltou a seriedade devida
a um julgamento político, ainda que sem suficiente clareza e amparo legal.
E então, pensa-se em como funciona o preparo ou o despreparo do imaginário
popular?! Todo sistema de crenças, de normas, de valores, de princípios,
situações de reconhecimento ou de negação aparecem no imaginário popular, sob
formas hierárquicas. E foi isso que se viu na sessão da Câmara dos Deputados,
quando eram evidenciados pensamentos que defendiam torturadores, evidenciavam
preconceitos e, sobretudo, diziam estar falando em nome dos que os elegeram e
dos costumes dos lugares de onde vieram. Mas, permanece a questão: qual Democracia
e Pátria estava sendo defendida? Aquela que tentou resolver o problema das
desigualdades e injustiças sociais ou a que demonstrou o limite entre uns e
outros, numa clara atitude de que a alguns cabe os benefícios da lei e a outros
as punições?!
Há um lugar no imaginário popular, ali representado, onde se constrói uma
espécie de proteção ou refúgio para não enfrentar as verdadeiras compreensões
de direitos e deveres. O que valeu para governos anteriores, não vale para os
atuais. Combate-se a corrupção de uns e convive-se com a corrupção dos
parceiros, pois teriam significados diferentes!! Alguém deve ser caçado e outro
pode presidir um julgamento, sem o menor tremor! Esses estereótipos se prestam a
manipulações estimuladoras do populismo e do clientelismo, como expressões políticas
da representação parlamentar.
As relações de igualdade e/ou desigualdade se estabelecem como uma
cultura política na esfera do popular aqui nomeado a todo instante para
acobertar uma consciência conservadora, que não suporta mudanças que possam
colocar em perigo privilégios de classe. Até mesmo o uso político da religião
foi sobejamente justificado. Em nome de Deus e da Lei, mata-se o cidadão.
Essa racionalidade falaciosa ornamenta a prepotência, a serviço de uma
cumplicidade com o popular para melhor fragilizá-lo e destruí-lo. A sedução funciona
como uma estratégia de cerceamento da racionalidade crítica, expressa nas falas
de homens e mulheres envolvidas nos estreitos limites de uma ação política individualista
e rancorosa. É uma face do autoritarismo que se torna eficaz nos seus
objetivos, especialmente quando funciona para garantir privilégios.
Esse mundo de significados espelha-se na imagem de uma conduta oblíqua em
que funciona melhor como dominação do que como libertação. Produz-se um certo
bem-estar moral nas propostas ofertadas ao povo e regozija-se no “banquete”
servido para comemorar o abate da caça. Desta forma se dá o rito do imaginário
popular, comandado por seus menestréis.
Por mais que doa um revés de luta e o canto substitua-se pelo pranto, ainda assim, sabe-se que Alguém deve
morrer, como diz o poema I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias: “Corram livres as lágrimas que choro. Estas lágrimas, sim, que não
desonram”.
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